Uma escola para todos: do que estamos falando afinal?

HUGO OTTO BEYER

          Tem-se verificado um discurso diluído e um tanto confuso de inclusão escolar, em que se afirma que a escola com qualidade pedagógica basta para atender os alunos nas suas mais variadas características. O posicionamento do autor é contra posturas que lhe parecem ingênuas e um tanto reducionistas, quando alguns autores afirmam que a escola para todos é a escola que não realiza qualquer distinção entre crianças. A condição de acesso e permanência na escola não pode significar a não-identificação da criança e de suas necessidades na aprendizagem.
          O projeto de educação inclusiva foi rapidamente (precipitadamente?) gerado pelos gestores do governo federal. Não houve tempo para a idéia amadurecer nas bases, nos estados, nos municípios, nas escolas, para então pensar em um projeto de lei. Os seguintes aspectos devem ser considerados como componentes de reflexão para uma pedagogia diferenciada para alunos com necessidades especiais nas escolas regulares:
a) – inserção dos alunos com necessidades especiais nas escolas regulares;
b) – as propostas curriculares que podem melhor contemplar as necessidades especiais desses alunos;
c) – organização didática no atendimento escolar dos mesmos;
d) – as epistemologias que podem ser pensadas como base do processo de ensino-aprendizagem.

          Algumas das considerações que seguem, decorre de pesquisa desenvolvida no âmbito das escolas e secretarias estadual e municipal que atuam na área da educação especial na cidade de Porto Alegre (RS), ao longo de dois anos.

A inserção dos alunos com necessidades especiais nas escolas regulares.
         Alunos com deficiência visual nas escolas estaduais de Porto Alegre eram atendidos, até o final dos anos 90, com freqüência na rede regular de ensino, sendo importante porém que sejam providenciados procedimentos didáticos adequados. Esta deve ser a função da sala de recursos para alunos cegos ou com outras formas de impedimento visual.
          O Instituto Santa Luzia, escola porto-alegrense com história de muitos anos no atendimento ao aluno cego, tem redimensionado nos últimos anos seu ensino e proposto uma educação integradora. Hoje, esta instituição atende um número maior de alunos que enxergam do que com deficiência visual. Para com os alunos com deficiência mental, foi estabelecida ao longo dos últimos anos da década passada, no RS, sua matrícula preferencial nas escolas de ensino regular. Não há como esperar que as experiências de inclusão escolar tenham sucesso apenas porque há uma legislação a favor, deve haver a disposição de participação no processo por parte dos sujeitos envolvidos (pais, crianças, professores, gestores, etc.). Mais prudente é acompanhar a evolução da situação escolar da criança, e, caso haja dificuldades na convivência escolar, pode-se pensar na transferência para a escola especial evitando assim, por exemplo, frustração, desmotivação para aprendizagem escolar, evasão da escola, etc. O modelo escolar para alunos surdos, a partir da abordagem sócio-antropológica, deveria priorizar o ensino em classes separadas, considerando-se as particularidades da sua aprendizagem e de suas características cognitivas e lingüísticas. A integração escolar dos alunos surdos surgiria como medida alternativa.
          Quanto à formação de professores, os cursos de formação (inicial e continuada), deveriam dedicar um espaço privilegiado à reflexão em torno da educação inclusiva. As políticas inclusivas devem partir da base, isto é, da escola, de sua organização, do seu corpo docente e da comunidade escolar. Caso contrário, a educação inclusiva além de restringir-se a mera vontade política (tecnocrática?), poderá provocar frustrações nos profissionais envolvidos e na comunidade escolar uma conseqüente indisposição para a continuidade do processo. A esse respeito, Naujorks (2002) alerta para os níveis de estresse dos professores, decorrentes da pressão do projeto da inclusão escolar.
          Através de uma pesquisa, constatou-se um início favorável à experiência de inclusão escolar, com motivação e apoio especializado na escola. Gradualmente, porém, o número excessivo de alunos por sala de aula, as desmotivações docentes, o pouco apoio dos gestores educacionais, tornaram-se fatores adversos. Talvez, o ponto de maior importância, seja, de fato, o acompanhamento do professor, pois a maioria deles falta o conhecimento e o domínio de recursos para o ensino inclusivo.

As propostas curriculares face ao projeto da inclusão.
         O currículo não sofre alteração fundamental, porém as características de aprendizagem dos alunos com necessidades especiais são, sem dúvida, levadas em conta. Coll (1995), explicita duas atitudes que o professor pode ter diante do currículo escolar por um lado, a situação de currículo “fechado”, e, de outro, do currículo “aberto”. O currículo fechado representa a observância estrita dos parâmetros curriculares, significando para o professor, uma relativa comodidade no desempenho docente. Isto, também, pode significar a menor disposição em flexibilizar seus procedimentos frente às necessidades dos seus alunos. Já o currículo aberto produz a situação inversa, isto é, pode favorecer a adaptação do currículo. Requer, no entanto, maior criatividade do professor, já que é sua tarefa ajustar as atividades curriculares às especificidades dos alunos com necessidades especiais.
          Para Coll (1995, p.301), é importante “garantir que o aluno com necessidades educacionais especiais participem de uma programação tão normal quanto possível e tão específica quanto suas necessidades requeiram”. “A questão fundamental, de qualquer forma, consiste no fato de que, de acordo com os princípios que ordenam e orientam a educação especial em nosso sistema educacional, todos os alunos devem ser providos de um currículo, segundo suas necessidades e características (...) e devem participar o máximo possível de ambientes escolares regulares” (ibid, p.301-302). O currículo proposto tanto para o ensino regular como para o especial acaba por resultar, no fim, da visão que se tem do aluno e de seu mundo.

Reflexão sobre a didática escolar
         A complexidade decorre do desafio de elaborar uma didática que consiga lidar com a ampliação da heterogeneidade escolar, decorrente da inserção dos alunos com necessidades específicas na escola de ensino regular. O processo de inclusão deve ser retroalimentado por uma avaliação contínua do mesmo. A maioria dos professores egressos dos cursos de formação está mal preparada para lidar com tal heterogeneidade escolar. Entre os alunos dos cursos de formação de professores, sobre as atuais políticas de inclusão escolar, o que se nota é o sentimento de apreensão entre os mesmos. Isso acontece porque eles já têm maturidade para avaliar que os recursos oferecidos em sua formação docente podem não ser suficientes para capacitá-los a lidar com esta diversidade.

Epistemologias e concepções de aprendizagem
         Alguns dos referenciais teóricos e das concepções epistemológicas que se destacaram entre os profissionais entrevistados, foram a teoria psicogenética de Piaget, o sócio-interacionismo de Vygotski, o trabalho cooperativo segundo Freinet, a psicanálise de Freud e a abordagem psicopedagógica de Sara Pain. O leque teórico parece amplo, quem sabe eclético, porém tal variedade teórica pode ser apreciada de forma positiva, pois as abordagens podem encontrar lugar na ação educacional especial e inclusiva dos educadores.

O professor, os alunos e os pais diante da proposta de inclusão escolar
         O Grupo de Estudos e Pesquisa em Integração/Inclusão escolar (GEPEI), localizado na UFRGS, convidou cinco escolas cujos projetos político-pedagógicos delineiam-se favoravelmente à proposta de educação inclusiva, para participarem de uma pesquisa. Foram envolvidas na pesquisa duas escolas públicas estaduais, uma no município de Santa Maria (RS), a outra em Porto Alegre (RS), uma escola técnica federal, em Porto Alegre, uma escola pública municipal, também em Porto Alegre e uma escola particular no município de Novo Hamburgo (RS). Os sujeitos participantes da mesma são professores, pais e alunos.

A seguir, as perguntas e as respostas:Qual foi seu primeiro contato com a idéia/proposta da educação inclusiva? E sua primeira reação? Resumo: sentimento de desafio; desconhecimento a respeito; sentimento de ansiedade e insegurança; e busca de apoio pedagógico.

Como você a define? Resumo: uma proposta educacional irreversível; uma democratização do ensino, do acesso a escola; cultura inclusiva; um caminho (sem retorno, com muitas pedras); e projeto com demandas direcionadas à transformação da escola.

Como você avalia sua condição profissional (experiência, formação,etc.) para adaptar sua atuação docente às características de uma educação inclusiva? Resumo: o valor das experiências acumuladas; sentirem-se despreparados, ou leigos em relação à proposta; disporem de pouca formação específica; disporem de pouco conhecimento; a importância da formação continuada; a importância da prática; e a necessidade de unir a prática à teoria.

Que aspectos você aponta como imprescindíveis para viabilizar na dinâmica escolar a proposta da educação inclusiva? Resumo: adaptação das escolas e preparo dos professores; participação da comunidade escolar e conscientização do projeto de inclusão; apoio da equipe pedagógica e composição favorável da infra-estrutura escolar, rede de apoio, incluindo também especialistas; e intercâmbio constante entre professores.

Quais os aspectos que você apontaria como mais débeis no atual momento, no processo de inclusão escolar de alunos com necessidades especiais? Resumo: a falta de oportunidades para troca com colegas e especialistas; recursos humanos e materiais insuficientes; conscientização ainda débil da comunidade escolar sobre o projeto de inclusão escolar; a ausência de projetos sustentáveis de formação continuada; e vontade política e verbas insuficientes.

Qual foi o seu primeiro contato com a idéia/proposta da educação inclusiva? E sua primeira reação? Resumo: o projeto da inclusão é difícil, complicado, (inicialmente) inviável e os sentimentos demonstrados são de insegurança, dúvida e a busca pelo apoio especializado.

Como você avalia sua condição profissional (experiência, formação,etc.) para adaptar sua atuação docente às características de uma educação inclusiva? Resumo: ausência de formação específica e a necessidade de aprender no cotidiano das experiências escolares, o que denota uma base empírica de muitos professores na tentativa de execução de tal projeto.

Que aspectos você aponta como imprescindíveis para viabilizar na dinâmica escolar a proposta da educação inclusiva? Resumo: a necessidade de tomada de consciência de sua importância pela comunidade escolar, o suporte de profissionais especializados (educadores especiais, psicopedagogos, fisioterapeutas, etc.) e um maior intercâmbio entre os professores nas escolas com projeto inclusivo.

Quais os aspectos que você apontaria como mais débeis, no atual momento, no processo de inclusão escolar de alunos com necessidades especiais? Resumo: um envolvimento fraco de algumas famílias; o distanciamento da Secretaria de Educação: dificuldades no atendimento aos alunos em sala de aula; a falta de um maior apoio especializado; e o fato de muitos professores não disporem de um melhor fundamento nos aspectos que dizem respeito à educação inclusiva (muitos atuam empiricamente, improvisando suas ações docentes).

          As respostas apresentadas por quatro pais da escola particular, são predominantemente positivas e refletem como os sujeitos que integram a comunidade escolar podem colaborar no sentido de um respaldo cada vez mais forte ao projeto de educação inclusiva, que contagie outros parceiros integrantes da mesma comunidade.

          Concluo este capítulo, não podendo deixar de apontar para o que parece óbvio, que estamos diante de uma situação de muitas incompletudes e perplexidades, diante da demanda que resulta da priorização em lei de um projeto político (e pedagógico) – o da educação inclusiva – que não nos possibilita vislumbrar, ainda, de formas exeqüíveis de implementação bem-sucedida. As falas dos docentes anunciam e denunciam dificuldades, frustrações, temores, porém também a esperança de que, através dos vários intercâmbios a serem estabelecidos entre professores, pais, alunos e outros sujeitos do espaço escolar, avanços e transformações possam ser produzidos, gerando-se, quem sabe, uma inclusão escolar possível.